22.2.09

Q & A e Slumdog Millionaire

Li o livro de Vikas Swarup, Q & A (cuja tradução para português coincide com a tradução do filme para "Quem quer ser bilionário"), com a velocidade própria de quem queria comparar o texto que deu o mote ao filme com a adaptação do argumento ao grande ecrã.

Comecemos pelo livro. No livro, a personagem principal Ram Mohammad Thomas vai narrando à sua advogada, Smita Shah, o motivo pelo qual conseguiu acertar nas doze (ou treze?) perguntas do concurso televisivo.

Não estava prevista a sua vitória, não era suposto que soubesse tanto, nem, muito menos, que chegasse ao prémio mais alto que o concurso alguma vez tinha dado.

O livro, narrado na primeira pessoa, é intimista. Pela voz da personagem principal vamos conhecendo, peça por peça, ou, melhor, pergunta por pergunta, as várias peripécias da sua infância e adolescência.

Sem dúvida que o livro é consistente, bem escrito e que apresenta uma boa história. Aqui e além inspirada (conscientemente ou não) em segmentos de Charles Dickens e os cenários mais ou menos funestos da infância de um órfão.

Passemos ao filme.

Pelas mãos de Danny Boyle, é adaptado ao cinema o livro de Vikas Swarup. Já há muito que não fazia a ponte livro-filme. Até que ponto consegue um realizador transformar um livro - porque a passagem ao cinema implica necessariamente uma transformação - sem destruir a essência da escrita?

Jamal Malik - a personagem principal - às portas do grande prémio, tem que convencer a polícia indiana de que, apesar dos seus 18 anos e de ser apenas um servidor de chás, "sabia todas as respostas".

O livro, como é regra, é mais completo e, de vez em quando, reparam-se os saltos da película em relação ao texto original. Até as próprias perguntas do concurso não são coincidentes. Mas apesar desta desconformidade (e porque desconformidade não significa obra menor), o filme é meritório.

O cenário indiano dá-nos por alguma vezes um murro no estômago. Da imundice dos bairros de lata à pobreza e miséria dos pedintes.

O melhor do filme? A banda sonora. Genial mesmo. Dá um ritmo excepcional ao encadeamento dos factos e fica a vontade de levar já para casa o cd. 5 estrelas para A. R. Rahman. Já em Trainspotting (que é melhor do que este Sumbdog Millionaire) a banda sonora tinha um dos mais importantes papéis na película.

Saldo final - 4,5 estrelas. Pela comparação com o livro conduzir à conclusão que o filme podia, e devia, ter aproveitado alguns segmentos da narrativa em benefício da história.

Previsões e apostas 2009


Esta noite/madrugada todos as atenções estarão dirigidas para a entrega dos maiores prémios do cinema. Num ano especialmente marcado por argumentos adaptados e por filmes de (aparente) baixo orçamento, deverá haver poucas surpresas.

Julgo que um filme que tenha a sua história já escrita e seja, portanto, não mais do que um argumento adaptado, não deveria ganhar o óscar de melhor filme, mas a academia não se deixa seduzir pelos meus "julgamentos" e, por isso, deve mesmo vir a premiar a passagem ao ecrã de um livro bem escrito (a crítica seguirá dentro de momentos...) - "Quem quer ser bilionário?".

Recolhidos os pareceres e vistos quase todos os filmes, aqui ficam algumas tendências:

Melhor filme: Deve ganhar "Quem quer ser bilionário?". Por mim ganharia o "Estranho caso de Benjamin Button", mas talvez este só venha a vencer nas categorias de caracterização.
Melhor realizador: Gus Van Sant, com "Milk". Fugindo-lhe o óscar de melhor filme, que será o mais provável, não lhe deve escapar este justo galardão. Num filme que é, todo ele, feito à imagem do realizador.
Melhor actriz: Kate Winslet. Claro que, por mim, ganharia sempre Meryl Streep que já mais do que provou, com todos os prémios e nomeações, que é a melhor actriz da sua geração e que apresenta sempre uma representação sublime em todos os filmes em que intervém.
Melhor actor: Mickey Rouke. Já recolheu o apluso unânime da crítica, ao regressar às luzes da fama depois de uns anos na sombra. Se perder, só se for para Sean Penn, visto que o papel em "Milk" lhe assenta como uma luva. Eu torço por ele.
Melhor actriz secundária: Já quase que Penélope Cruz tem o prémio nas mãos, mas estaria melhor nas de Viola Davis que tem uma interpretação irreprensível no filme "Dúvida". Resta saber se a Academia se deixa convencer por uma interpretação de apenas cerca de 10 minutos. A mim convenceu.
Melhor actor secundário: Heath Ledger. A título póstumo e quase certo.

Logo se verá.

2.2.09

Benjamin Button


Fui avisada de que o filme duraria quase três horas mas que nem se sentia o tempo passar. Como se de uma metáfora em relação ao próprio filme se tratasse, em jeito de relógio que vai andando para trás, manifestando um acto de catarse do relojoeiro.
"O estranho caso de Benjamin Button" não ignora a grandeza que o envolve nem o impacto que causa a quem o vê.

Baseado na "short story" história de Scott Fitzgerald com o mesmo nome, é sobretudo pelo argumento que o filme tem algumas cartas (de trunfo) a dar. Ainda que seja um argumento adaptado, é enriquecido com umas pinceladas de actualidade, nomeadamente o tempo real em que são recordados os momentos da vida da personagem principal suceder em 2005, em pleno Katrina.

Sob a pena de um dos meus realizadores favoritos - David Fincher (que já me tinha roubado muitos aplausos com Seven, não devendo este ano a estatueta dourada escapar-lhe) - temos a histórica de Benjamin, cujo nascimento ocorre no final da 1ª Guerra Mundial, e cuja vida é o contrário do esperado. Começa-se com rugas e acaba-se num bébé. E ainda que a frase "no final, todos acabamos de fraldas" seja o mote do filme, todos os contra-tempos e fases vividas em turbulência num corpo que vai rejuvenescendo são dignas de apreço e muito bem conseguidas.
A caracterização tem aqui um papel irrepreensível. Como envelhecer e rejuvenescer Brad Pitt e Cate Blanchet (e todas as outras personagens secundárias) parece ser uma operação tão simples para a produção do filme.
Brad Pitt tem uma representação consistente, mas talvez um pouco abaixo do que esperava. Reconhece-se, não obstante, que foi uma boa escolha para a personagem central.

Um filme a não perder, que recomendo.

Saldo final - 4 estrelas (sob reserva de correcção superveniente - para mais -, caso os filmes que estão para vir/ver se revelarem como de segunda linha).